OCLA manifesta posicionamento sobre a intervenção federal no Rio de Janeiro

São Paulo – SP, 26 de fevereiro de 2018.

 

A recente medida adotada pelo governo federal no sentido de, mediante decreto, promover a intervenção federal na seara da Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro e mediante concordância do respectivo governador, muito embora tenha surpreendido o país como se depreende pelas notícias veiculadas, do ponto de vista jurídico-constitucional, nada mais é do que um instrumento – dentre outros – previsto na Constituição Federal de 1988 exatamente para remediar situações não solucionadas em momento anterior pelas unidades federativas (Estados, Municípios e Distrito Federal) no exercício de suas competências.

Trata-se, na verdade, de medida excepcional conforme a clara redação do artigo 34 da referida Constituição.

Em regra, não deve a União intervir nos Estados, salvo para restabelecer a normalidade democrática, financeira, na segurança pública em qualquer Estado da Federação ou, ainda, mesmo para restaurar os denominados “princípios sensíveis” da Constituição (inciso VII, do artigo 34), como no caso dos direitos da pessoa humana, o princípio republicano, a autonomia municipal, dentre outros.

No caso específico do Estado do Rio de Janeiro, embasou o decreto posteriormente aprovado pelo Congresso Nacional, o inciso III do aludido artigo 34, qual seja, decretou-se a intervenção para pôr termo a grave comprometimento da ordem pública consistente no alastramento das ações do crime organizado (tráfico de entorpecentes) no Estado.

O Rio de Janeiro não é o Estado mais violento do país, que vivencia em todo seu território graus sem precedentes de violência, por exemplo, com 61.283 mortes violentas em 2016, ou seja, sete pessoas assassinadas por hora naquele ano. Encabeça a lista o Estado de Sergipe com 64 mortes para cada 100 mil habitantes, contra 37,6 mortes do ente fluminense, segundo as informações do 11º Anuário Brasileiro de Segurança Pública (http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2017/12/ANUARIO_11_2017.pdf).

Contudo, o Rio de Janeiro constitui, por outro lado, talvez uma das principais rotas do tráfico que passa pelo país; é uma vitrine do país; possui grande importância histórica e tem sua população refém do crime. Some-se a tais considerações uma das principais razões que levaram a tal decreto: a necessidade da completa reorganização da estrutura da segurança pública do Estado.

Se a intervenção federal constitui-se providência adequada, as opiniões podem ser divididas. O que preocupa, num primeiro momento, é a aparente ausência de detalhamento da operacionalização da referida intervenção, bem como informações posteriormente veiculadas sobre a possível utilização de mandados de busca e apreensão coletivos, bem como sobre fichamentos de moradores, medidas que num primeiro momento não se adequam à ordem democrático-constitucional.

O enfrentamento de uma situação excepcional, à evidência, exige medidas também excepcionais, porém proporcionais e não apartadas do marco constitucional vigente, que oferece instrumentos próprios para relativização dos direitos fundamentais. Até o presente momento, não são conhecidos em detalhes como se dará a operacionalização da referida intervenção que, por sua própria natureza, possui amplo objeto, já que abarca toda a estrutura da segurança pública do Estado (polícia judiciária; polícia militar; corpo de bombeiros; servidores etc.).

As regras de engajamento, assim como a adoção de medidas de cunho social que visem a debelar o resultado de décadas de abandono das populações hoje sob o terror do crime organizado, assim como se existe algum plano estabelecido para vigilância das fronteiras, apenas para citar algumas medidas urgentes para atacar a raiz deste problema, não são conhecidos pois não foram divulgados.

Neste sentido, o Observatório Constitucional Latino-Americano (OCLA) manifesta sua preocupação no sentido de que, a despeito da necessidade do enfrentamento dos problemas que comprometem a segurança pública no Estado do Rio de Janeiro, sejam as ações e operações decididas pelo Sr. Interventor pautadas pelo respeito ao marco constitucional vigente no país, observando e preservando-se o Estado Democrático de Direito.

 

OCLA – Nota sobre a intervenção federal